A variedade universal Cabernet Sauvignon (Cab) encontrou nas áreas menos frias dos países do Cone Sul – Chile, Argentina, Uruguai e Brasil (RS) – habitats favoráveis para seu cultivo e desenvolvimento.

Originária da antiga Aquitânia, hoje Bordeaux, no sudoeste da França, essa conhecidíssima casta, cultivada no Brasil de forma sistemática a partir dos anos 1980 em substituição à Cabernet Franc, é aceita entre as melhores, senão a melhor, de todas as viníferas, dada como a rainha das uvas tintas.

Geneticamente resultou do cruzamento da tinta Cabernet Franc com a branca Sauvignon Blanc, conforme identificado por pesquisas de DNA, o que não deixou de ser uma surpresa. Do ponto de vista etimológico, significa “vermelhinha selvagem” (segundo Emile Peynaud, em seu clássico  “Le Goût du Vin”, Cabernet é uma corruptela de Carminet = carmim, escarlate, vermelha).

De uma videira ereta, vigorosa, apresenta folhas verde escuras pentalobadas, fáceis de perceber no vinhedo por seus “olhinhos”, como se fosse uma máscara carnavalesca.

 

Origina vinhos tintos de um vermelho rubi profundo, concentrado, evoluindo para granada, nariz de violetas, amoras, mirtilo e especiarias, de taninos firmes e resistentes, que associados à acidez adequada lhes proporcionam extraordinária longevidade. A proverbial simbiose da Cab com a madeira do carvalho afina e suaviza a bebida, adicionando-lhe aromas de baunilha, defumado, canela e café ou chocolate.

Por outro lado, como amadurece um pouco tarde, pode originar vinhos algo diluídos e de caráter herbáceo em região de climas mais frios. Isso faz com que sua presença se concentre preferencialmente no Chile no Valle Central, entre Maipo e Rapel (Cachapoal), na Argentina em Mendoza, particularmente em Luján de Cuyo, no Uruguai em Canelones nas proximidades de Montevidéu e no Brasil no Vale dos Vinhedos, RS.

No Chile a Cab prevalece respondendo por 35% da produção de vinho chileno. Cultivada no país desde 1835, sua presença tornou-se marcante com o estabelecimento das primeiras grandes vinícolas chilenas – Concha y Toro, Cousino Macul, Errazuriz e Undurraga – por volta de 1850.

Como exemplos de tais tintos disponíveis no Brasil destacamos, somente a título de ilustração, o inefável Don Melchor, da Concha y Toro, em Puente Alto; o Montes Alpha Cab, da Viña Montes, em Colchagua; o Carmen Gold Reserve, da Viña Carmen, no Vale do Maipo; e o Legado De Martino, também do Maipo. São inúmeros…

Na Argentina a Cab está depois da Malbec como variedade mais cultivada. Chama atenção, entretanto, o nível de qualidade dos melhores Cabernet Sauvignon de Mendoza. As primeiras mudas chegaram por volta de 1860, mas não tiveram a preferência dos imigrantes italianos. A evolução da plantação foi muito lenta, de forma que, passados 130 anos, a área cultivada com Cabernet não chegava a 3 mil hectares. A partir de 1990, entretanto, com a chegada de investidores estrangeiros e a necessidade de a Argentina competir internacionalmente, houve uma rápida evolução e, hoje, a área da uva se estende por 20 mil hectares, com certa concentração na Zona Alta do Rio Mendoza e na municipalidade de Luján de Cuyo, menos fria, de maior amplitude térmica e com solos pedregosos. Ainda que tenha na Malbec sua uva emblemática, Mendoza elabora atualmente tintos da Cab que rivalizam em qualidade com os melhores das Américas. Exemplifico com o Angélica Zapata, da Catena, em Agrelo; o Caballero de la Cepa, da Finca Flichman, em Barrancas; e o Crios Cab, de Suzana Balbo, em Luján. E, se me permitem, com o Penedo Borges Cabernet Sauvigon Gran Reserva, da Bodega Otaviano em Alto Agrelo.

No Uruguai a presença esmagadora da Tannat coloca a Cab em posição secundária. Surge, por exemplo,  100% no RPF Cabernet Sauvignon da Pisano, e no Cab Los Teros, ambos de Canelones. Em muitos casos aparece como coadjuvante em cortes com outras variedades, como em alguns exemplares da Vinícola Pizzorno. Na verdade, sua prima Cabernet Franc deu-se melhor que ela no terroir uruguaio.

No Brasilespecificamente na Serra Gaúcha, a Cabernet Sauvignon tem originado tintos surpreendentes, estruturados e concentrados. É o caso do Cabernet Sauvignon Villa Lobos, da Casa Valduga, no Vale dos Vinhedos. Aparece 100% no Miolo Cabernet Sauvignon Reserva, mas  seu melhor desempenho na Miolo dá-se no Lote 43, no qual faz companhia à Merlot. A Lidio Carraro conseguiu mais um tento com o lançamento de seu Cabernet Sauvignon Agnus. Também em Alto Feliz, a Cab marca presença no varietal da Don Guerino. São informações esparsas – poderíamos continuar indefinidamente, se mencionarmos os cortes – mas que dão ideia da importância da Cab no cenário vinícola brasileiro.