Montalcino chora, soluça a Toscana, a Itália vinícola está de luto, o mundo do vinho empobrecido. Faleceu inesperadamente no dia 16 de fevereiro passado, aos 82 anos, o trevisano Gianfranco Soldera, vítima de enfarte, enquanto dirigia. Desde que começou a elaborar na sua azienda Case Basse, seu Brunello di Montalcino, ele passou a fazer parte da lista dos vinhos italianos mais procurados, indicado na safra 1990, por Neil Becket, como um dos 1.000 vinhos para beber antes de morrer, afirmando: “…quem não provou o Case Basse, não sabe o que é o Brunello di Montalcino”. Para muitos, o Santo Graal.

Grande admirador de Brunello que sou, tive a oportunidade de provar esse BM 1990 impecável, 16 anos após a safra. Pena que só um pouquinho, nada mais do que 100 ml. Desvanece agora, porém, a intenção que eu tinha de conhecer o “Mago” pessoalmente, o que não consegui nas duas vezes que estive por lá, por razões e coincidências diversas.

De caráter inquieto e controverso, deixara suas atividades na área securitária em Milão para adquirir, no início dos anos 1970, uma pequena propriedade abandonada no sudoeste de Montalcino, bem antes da região passar por seu boom comercial e alcançar prestígio nos anos 80 e 90. Plantou as primeiras vinhas de Sangiovese Grosso em 1972, elaborou o primeiro Brunello em 77, e levou-o ao mercado em 82. Durante quatro décadas trabalhou o campo, respeitando a natureza, sob o preceito de que “il vino si fa in vigna, non in cantina”.

Distinguiu-se pela personalidade única e pela polêmica que seus princípios geravam, por exemplo, quando afirmava que fazia vinho natural: “…se non è naturale non è vino” ou quando estabelecia suas metas próprias a alcançar na bebida: harmonia, elegância, complexidade e naturalidade.

No vinhedo, baixos rendimentos, cuidados especiais nas podas, cultivo orgânico. Na cantina, nada de leveduras selecionadas. Seis anos de envelhecimento em tonéis de madeira eslovena, sem controle de temperatura.  Destaque-se as regras que impunha para os visitantes: você só seria recebido se dividisse com ele sua filosofia de “agricultura iluminada”. Só lhe venderia vinho se você compartilhasse com ele sua política empresarial voltada para o meio ambiente. Céticos não eram bem-vindos.

Bem, tudo isso era pouco conhecido até 2012, ano em que o nome de Soldera correu o mundo através da imprensa, por conta de um atentado sofrido por sua cantina. Na calada da noite de 2 de dezembro, um desafeto penetrou na cave e fez escorrer 60 mil litros de vinho pelo chão, derretendo cinco anos de trabalho. Levou outros tantos anos para se recuperar, contando com o prestígio de sua marca. Agora que tudo voltara ao normal, deixou-nos. Mas seu legado, o Brunello di Montalcino Soldera Case Basse, esse permanece.

.