Gosto de comparar vinhos que bebo com fatos do mundo em que vivo. Comparo o Beaujolais Nouveau, por exemplo, com países sul-americanos que chegam à decadência sem passar pelo apogeu. Ou os Pinot Noir da Borgonha com o encanto feminino: atraente e sedutor, difícil de entender, nada fácil de conquistar, mas super estimulante quando finalmente se conquista pelo interesse e pela persistência.
Nessa mesma linha eu diria que o Barolo é um vinho bursátil. Sabe-se quando vender e quando comprar ações na Bolsa, mas dificilmente acerta-se o momento exato. Quando se dá o acerto, ganha-se muito. Frequentemente nos vemos diante de uma valiosa garrafa de Barolo que não correspondeu plenamente porque já devia ter sido aberta há algum tempo, ou de outra que decepcionou porque deveríamos ter deixado passar mais tempo para abrir. Mas quando acertamos, é imbatível.
Na DOC Barolo a uva Nebbiolo origina um tinto intenso, conhecido por sua capacidade de envelhecer, de cor rubi profundo, evoluindo para um tom alaranjado, leque aromático de flor e frutas vermelhas aos quais o tempo acrescenta ameixas secas, couro e alcaçuz; a barrica adiciona baunilha, alcatrão e caramelo, e que ganha um odor trufado na garrafa arrolhada.
Tradicionalmente, até o fim do século passado, apresentava-se muito taninoso exigindo 8 a 10 anos para que sua adstringência se atenuasse e que o equilíbrio do tripé tanino/álcool/ácidos nos demonstrasse que a bebida já estava “barolando”. Comecei a apreciá-lo nessa época, com os Borgogno, Fontana fredda, Brunate Marcarini etc., e não o reconheceria de outra forma.
Em meados dos anos 1980, com a ampliação do mercado de vinhos e a preferência do novo mercado por vinhos frutados, novos estilos de Barolo surgiram, até mesmo com preços mais acessíveis. Alguns modernistas reduziram o tempo de maceração, acelerando o processo, e amadureceram o vinho em barricas francesas em detrimento dos barris e tonéis de carvalho esloveno. Os produtores tradicionalistas não queriam reconhecer tais vinhos como Barolo.
Sucederam-se as chamadas Guerras do Barolo, resultantes de controvérsias entre tradicionalistas e vanguardistas. Os primeiros alegando que a identidade secular do “vinho dos reis e rei dos vinhos” poderia se perder, temendo que essa descaracterização levasse à perda da reverência pelos apreciadores.
Produtores como Renato Ratti, Elio Altare, Ceretto, Schiavino e vários outros desenvolveram tais métodos que levam menor extração de tanino, dilatando o período de envelhecimento em garrafa, alegando que com a modernização é possível se obter grandes vinhos em menos tempo.
Uma trégua foi declarada nos últimos vinte anos em que ambos passaram a dar atenção especial ao gerenciamento dos solos e dos vinhedos, utilizando seleções de uvas de vinhedo único cujo nome aparece no rótulo. Alguns dos tradicionalistas puderam com isso modernizar suas caves e diminuir o trabalho na cantina, diminuindo custos, enquanto que os modernistas puderam dar um pouco mais de tempo ao vinho antes da expedição.
Podemos agora escolher um Barolo moderno de Giani ou de Roberto Voerzio se queremos algo mais em conta e mais fácil de beber; ou um tradicional de Giacosa ou Mascarello se estamos dispostos a pagar um pouco mais por uma bebida superlativa, floral e alcatroada, unindo lirismo a robustez.