Bordeaux amanheceu em seu último fim de semana de abril de 2017 com uma triste sensação de déjà vu para os mais antigos vinhateiros da região, que ainda mantêm vivas as tristes lembranças das violentas geadas que castigaram de forma inclemente os vinhedos de Bordeaux, em 1956, quando as temperaturas alcançaram incríveis 11 °C abaixo de zero, devastando enormes áreas de suas vinhas, muitas das quais tiveram de ser integralmente replantadas.
Geadas primaveris são raras, mas normalmente esperadas, e, em muitos casos, podem ser previstas através dos modernos prognósticos meteorológicos, permitindo que os produtores se antecipem e protejam seus vinhedos através da utilização de métodos que, entre outros, incluem aquecedores, sprinklers, turbinas eólicas e, em alguns casos, como nos grandes Chateaux, o emprego de helicópteros, que com a movimentação do ar provocada por suas pás, consegue através da convecção térmica elevar a temperatura da superfície dos vinhedos.
Entretanto, nesta primavera de 2017, os dias 27 e 28 de abril em Bordeaux amanheceram com temperaturas próximas de 5 °C abaixo de zero em algumas áreas, suficientes para congelar e danificar de forma irremediável os primeiros e frágeis brotos dos vinhedos que se encontravam em plena fase de desenvolvimento.
Não se sabe ainda, com precisão, o reflexo deste incidente, no que diz respeito a qualidade, rendimento e preços da safra de 2017 em Bordeaux. Neste primeiro momento, o Conseil Interprofessionnel du Vin de Bordeaux estima que pouco mais de 70 % dos vinhedos da região foram, em maior ou menor escala, afetados pelas geadas consecutivas destas duas manhãs, atingindo aproximadamente 60 mil hectares, dos quais 20 % podem sofrer uma perda acima de 80 % de suas vinhas.
Em termos de volume de produção, acredita-se que, dos 570 milhões de litros produzidos na generosa safra 2016, a de 2017 deverá atingir pouco mais de 300 milhões de litros. Entretanto, como a floração de diferentes castas ocorrem em momentos distintos, associada à possibilidade de um segundo brotamento, por prudência, deve-se aguardar a passagem desta fase do ciclo vegetativo, para se saber o real dano causado aos vinhedos e, consequentemente, a estimativa oficial para a safra de 2017.
Por um capricho da natureza, os maiores impactos da geada de abril ocorreram na margem direita, o que de certa maneira limita as perdas dos grandes Chateaux, em sua maioria localizados na margem esquerda. As denominações St-Estèphe, Pauillac e St-Julien passaram praticamente incólumes às forças da natureza, enquanto que em Margaux, Pessac-Léognan e Sauternes, as perdas foram consideradas pequenas.
Curiosamente, a geada de abril se refletirá nos preços dos vinhos da excepcional safra de 2016, que normalmente são definidos nas avaliações En Primeur entre os meses de março e abril do ano seguinte à colheita, e por esta razão não haviam sido ainda determinados. Desta maneira, a tendência dos produtores será a de corrigir para mais os preços da safra de 2016, com o objetivo de compensar as possíveis perdas, a serem ainda contabilizadas, da safra de 2017. Todavia a Fédération des Grands Vins de Bordeaux estima, preliminarmente, uma queda de um bilhão de euros no faturamento.