Iniciarei esse texto, voltando um pouco no tempo. Em 2013, iniciei uma aventura que me levaria a cruzar continentes, culturas e copos de vinho. Naquele setembro, viajei para a África do Sul, um destino fascinante onde explorei vinícolas renomadas e me aventurei em um safári inesquecível no Kruger Park. Mas o que era, à época, um estudo e um hobby, se transformou em uma paixão avassaladora. Essa paixão me trouxe aqui, mais de uma década depois, como guia de um grupo de 15 enófilos, prontos para desbravar a mágica região da Alsácia, na França.
A Alsácia, com seus vinhedos que parecem sair de um quadro, não apenas encanta os olhos, mas desafia o paladar com vinhos complexos e terroirs singulares. Como professor na ABS Rio, onde leciono sobre essa região, conduzir este grupo foi tanto uma responsabilidade quanto um privilégio. E a viagem não decepcionou – foi um mergulho profundo na história, cultura e sabores dessa terra especial.
Os Encantos das Cidades Muradas e Vinhedos Históricos
A Alsácia é uma terra de cidades muradas, cada uma parecendo saída de um conto de fadas. Em cada vilarejo, há uma nova história a ser contada, seja nos muros que resistiram ao tempo ou nas fachadas de casas em enxaimel. Caminhar por essas cidades é um convite a mergulhar no passado, enquanto a cultura e os sabores contemporâneos se revelam em restaurantes e degustações.
Em Riquewihr, por exemplo, nos deparamos com ruas que exalam charme, construções de famílias abastadas do passado e uma rica história de vinificação. Foi também onde descobrimos o famoso nougat local, um doce macio que nos conquistou. Já em Kaysersberg, o Grand Cru Schlossberg nos ofereceu a oportunidade de entender o terroir em campo, enquanto a recepção calorosa da família Faller no Domaine Weinbach nos fez sentir em casa. A degustação foi enriquecida por explicações detalhadas, e o almoço preparado por Madame Catherine Faller foi um dos pontos altos da viagem, com o tradicional bäckeoffe, uma receita que carrega as memórias das mulheres da região.
A Magia dos Grandes Crus e das Gerações de Tradição
A viagem foi também uma celebração da tradição familiar que permeia a viticultura alsaciana. Na Schlumberger, conhecemos vinhos provenientes de quatro Grands Crus localizados em uma única colina com exposição solar tripla, um verdadeiro espetáculo da natureza. Na Muré, fomos presenteados com a elegância dos Pinot Noirs do Grand Cru Vorbourg, agora autorizados a ostentar essa classificação.
Melanie Pfister, da vinícola que leva o nome de sua família, nos recebeu com entusiasmo, compartilhando as histórias do Grand Cru Engelberg, a colina dos anjos. Foi uma despedida emocionante da região, que nos mostrou não só a excelência dos vinhos, mas a alma de quem os produz.
Uma Viagem que Envolve Todos os Sentidos
Além dos vinhos, os momentos à mesa foram igualmente inesquecíveis. Em Colmar, o jantar no L’Épicurien trouxe a tradição harmonizada com vinhos especiais da família Beyer. Já no restaurante estrelado Michelin L’Atelier du Peintre, tivemos um menu impecável de cinco passos, onde até a sobremesa com calda de rúcula conseguiu surpreender os paladares mais exigentes.
A viagem culminou em Estrasburgo, uma cidade vibrante e rica em história. Após um almoço na histórica brasserie Kammerzell, embarcamos em um barco privativo para navegar pelo rio L’Ill. Enquanto apreciávamos a vista da cidade sob outro ângulo, uma degustação premium encerrou nossa jornada com a mesma sofisticação com que começou.
Reflexões de Uma Viagem Única
Se a África do Sul foi onde pela primeira vez fiz uma imersão no mundo do vinho, a Alsácia representou um novo capítulo, onde guiar outras pessoas se tornou tão gratificante quanto aprender. Esta viagem não foi apenas sobre vinhos, mas sobre histórias que conectam pessoas e regiões, sobre tradições preservadas e reinventadas, e, principalmente, sobre a celebração da vida.
A Alsácia provou que o vinho é mais do que uma bebida: é a expressão de uma cultura, um território e das mãos que o criam. E é essa riqueza que continuarei a compartilhar, seja nas aulas, em futuras viagens ou em cada nova taça levantada.