Na degustação de vinhos, provadores experientes e alguns iniciantes não encontram dificuldade em identificar pelo menos uns cinco ou seis aromas em uma amostra determinada, dos cerca de 50 aromas usualmente percebidos no exame olfativo de brancos e tintos.

Alguns deles são predominantes em vinhos tintos, como é a cereja e o cassis na Pinot Noir, a amora no Bordeaux Rouge e a ameixa nos Malbecs argentinos; enquanto que outros são mais fáceis de encontrar em vinhos brancos, como o abacaxi no Chardonnay ou a lichia no Gewürztraminer.

Mas há muitos aromas – eu diria em torno de vinte – que são comuns a brancos e tintos, e isso é fácil de explicar caso a caso.

Aromas provenientes do carvalho, por exemplo, são comuns tanto em brancos quanto em tintos que tenham passado alguns meses em barrica. É o caso da baunilha em brancos Chardonnay californianos amadeirados (oak aged) e também em tintos Merlot da Serra Gaúcha amadurecidos em carvalho.

A passagem por barrica pode também transferir aromas tostados – de caramelo, tabaco, café… – tanto para brancos como para tintos. Basta que o tostado interno da barrica seja de médio para forte.

Outra explicação para essa dualidade encontra-se na diferença na fermentação em branco ou em tinto. Em tinto ela se dá na presença das cascas, em branco processa-se sem as cascas. Portanto, os aromas cujos precursores vêm da casca da uva tinta – amora, mirtilo, ameixa, framboesa… – destacam-se preferencialmente em vinhos tintos.

Agora, se os precursores aromáticos vêm da polpa da uva, os aromas respectivos – violeta, banana, figo… – podem ser encontrados tanto em brancos quanto em tintos. Afinal de contas, a polpa com o suco da uva participa igualmente das vinificações em branco e em tinto.

Nas linhas a seguir, aponto alguns desses aromas comuns de dois que tive a oportunidade de perceber em diferentes degustações ao longo do tempo. As informações adicionadas têm por base meu livro Degustando vinhos (Editora Mauad X, www.mauad.com.br)

AROMA DE VIOLETA

Planta da família das violáceas cultivada para perfumaria, a violeta possui um dos aromas mais fáceis de identificar no vinho. Seu princípio químico aromático é a Ionona nas alternativas alfa e beta e seu nome vem do latim “viola” pelo francês “viollete”.

Enquanto a cor violeta evoca espiritualidade, magia e mistério, seu perfume lembra tentação ou sedução. Quando Napoleão conheceu a viúva Josefina de Beauharnais, com quem se casaria, ela portava um sedutor ramalhete de violetas na cintura. Ele passou para a posteridade como Pére Violette.

Vamos encontrar esse perfume nos melhores tintos chilenos da Cabernet Sauvignon, gaúchos da Merlot, portugueses da Touriga Nacional…não nos esquecendo de sua deliciosa presença no buquê dos grandes Borgonha, dos Bordeaux maduros, nos crus do Beaujolais, nos Barolos e Brunellos.

Mas estará também nos bons vinhos brancos da uva Viognier, em Salta, na Argentina; no Rhône Norte, no Napa valley, Califórnia.

Eu me deparei com ele, por exemplo, nos vinhos:

  • branco Catamayor Viognier Castillo Viejo (San José, Uruguai)
  • branco Château de la Tuilerie Celebration Viognier (Costieres de Nimes, França)
  • branco Condrieu Amour de Dieu Jean Luc Colombo (Rhône Norte, França)
  • tinto Quinta da Romaneira Touriga Nacional (Douro, Portugal)
  • tinto Barolo Ornato Pio Cesare (Piemonte, Itália)
  • tinto Merlot Lidio Carraro Faces (Vale dos Vinhedos, RS, Brasil)

AROMA DE BANANA

Fruta de casca fácil de retirar e polpa nutritiva e saborosa, seu cheiro tem por princípio aromático o Acetato de Isoamila, perceptível quando ela é amassada depois de descascada. Esse odor agradável aparece tanto em brancos da Chardonnay vinificados à baixa temperatura e submetidos à fermentação malolática, quanto em tintos provenientes da maceração carbônica como o Beaujolais e o Lirac na França. No caso do Beaujolais Nouveau, por exemplo, é comum comparar-se a intensidade do odor de banana no exemplar recém-chegado com o da safra anterior: “Este ano a banana veio mais forte…”.

Registrei aroma de banana em:

  • branco Max Reserva Chardonnay Errázuriz (Aconcágua, Chile)
  • branco Chardonnay Vie di Romans (Friuli, Itália)
  • tinto Beaujolais Villages Louis Jadot (Beaujolais, França)
  • tinto Beaujolais Nouveau Georges Duboeuf (Beaujolais, França)
  • tinto Lirac Confidentielle Château Saint-Roch (Rhône, França)
  • tinto Miolo Gamay (Vale dos Vinhedos, RS, Brasil)

AROMA DE AMÊNDOA

O fruto alongado da amendoeira tem semente comestível rica em gorduras e glicídios e seu óleo aromático entra na composição de tortas, emulsões e loções, fixando-se na nossa memória.

Nos vinhos, trata-se de aroma terciário tendo por princípio químico o Benzaldeído. Vamos então encontrá-lo sem dificuldade em alguns brancos da Viognier, no Jerez e no Vin Jaune podendo ser percebido em rosés como Tavel ou Navarra ou nos Rosé de Malbec bem como em tintos da Cabernet Franc e da Pinot Noir.

Encontrei esse aroma de amêndoa, por exemplo, em um:

  • branco Jerez La Ina Amontillado Botaina (Andaluzia, Espanha)
  • branco Vin Jaune Arbois Domaine Rolet (Jura, França)
  • rosado Penedo Borges Rosé de Malbec (Mendoza, Argntina)
  • tinto Chinon Clos de l’Echo Couly-Dutheil (Loire, França)
  • tinto Quinta da Neve Pinot Noir (São Joaquim, SC, Brasil)

AROMA DE CAFÉ

O café – infusão do fruto do cafeeiro depois de torrado – é uma das mercadorias mais exportadas do mundo e uma grande riqueza do Brasil. Servido quente apresenta odor tostado muito atrativo. Em vinhos trata-se de aroma terciário empireumático (torrado) tendo por princípio químico a Dimetil-pirazina.

Seu odor tostadinho aparece tanto em brancos amadurecidos longamente – Madeira, Málaga, Jerez – quanto em tintos amadurecidos em madeira nova de tostado médio ou forte como acontece com alguns Syrah e Cabernet Sauvignon da Austrália e Pinotage da África do Sul, Tannat uruguaio, e com alguns dos melhores Merlots da Serra Gaúcha.

Anotei esse aroma por exemplo em:

  • branco Madeira Malmsey 5 years Cossart Gordon (Iha da Madeira, Portugal)
  • branco Moscatel Roxo de Setúbal José Maria da Fonseca (Setúbal, Portugal)
  • tinto Pisano Axis Mundi Tannat (Canelones, Uruguai)
  • tinto Kanoncop Pinotage (Stellenbosch, África do Sul)
  • tinto Jim Barry Cover Drive Cabernet Sauvignon (Clare Valley, Austrália)
  • tinto Merlot Lidio Carraro Faces (Vale dos Vinhedos, Brasil)

Fico por aqui com os quatro exemplos acima por uma questão de espaço, mas voltarei adiante com vários outros. O tema me parece ideal para a quarentena: interessante, curioso, vasto e até mesmo polêmico, não acha?