Antes da pandemia um aluno do curso de profissionais, contratado para organizar um jantar harmonizado, perguntou-me quais os cuidados especiais que deveria tomar. Aproveito-me do ensejo para abordar novamente o assunto que apresento em detalhe no meu livro Harmonização (Editora Mauad, Rio, 2ª edição 2017).
Um almoço ou jantar contando com mais de dois pratos, acompanhado de vinhos, merece ser organizado a partir de certas diretrizes para que seja mesmo um sucesso delicioso.
Na base dessa afirmação está o fato de que, antes da refeição, os sentidos estão despertos e que a acuidade sensorial é enorme. Ela se reduz, porém, na medida em que a fome e a sede diminuem, de forma que, para que o prazer se mantenha, é indispensável começar por sabores discretos e avançar para os mais marcantes.
Dizemos, assim, que uma refeição está adequadamente organizada quando a sequência das comidas e das bebidas é criteriosa: (1) das comidas leves para as robustas e saborosas; (2) dos vinhos leves para os encorpados e aromáticos; e (3) cada prato harmonizado com seu vinho. O sentimento de prazer à mesa permanece assim durante todo o almoço ou todo o jantar.
É preciso não se esquecer do caráter dinâmico dessa série, isto é, o que vem antes e o que virá depois, para não cair em armadilhas. Evite-se, por exemplo, incluir uma iguaria que requer vinho doce antes de outra que exige tinto ou um prato que pede rosé antes de outro que requer um branco seco.
Consideremos, por exemplo, uma sequência de quatro fases: entrada, primeiro prato, prato principal e sobremesa. As comidas correspondentes poderiam ser então antepastos ou canapés de entrada; saladas, sopas ou massas como primeiro; peixes, aves ou carnes como principal; frutas ou doces como sobremesa, tendo como companhia, sucessivamente, espumante bem frio, branco ou rosé frio, branco ou tinto, vinho doce ou espumante demi-sec.
As diretrizes na escolha para os pratos teriam sido, então iniciar com pequenas porções, tipo tira-gosto só para acentuar o apetite. Seguir com prato leve, de pouco sal, boa acidez, amargor discreto. Só então as de sabor marcante, pesadas, salgado-amargo, acidez discreta. Terminar com sabor doce (doces em geral) ou de acidez discreta (frutas). Para a escolha dos vinhos (refiro-me a uma refeição para quatro casais como me foi relatado pelo aluno, justificando assim uma garrafa de bom vinho para cada iguaria servida). Começar com espumante, um branco leve ou aperitivo tipo Jerez. Prosseguir com brancos ou rosés ou mesmo – dependendo do prato – com tinto estilo Pinot Noir. Só então vinhos encorpados, maduros, de buquê mais rico e sofisticado. Terminar com vinhos doces ou espumante meio seco.
Obedecidas as diretrizes acima e determinado o número de pratos, falta cuidar para que, a cada prato servido, corresponda um vinho que se ajuste em estrutura, harmonia e realce. Faltou-me espaço para estender-me sobre a questão dos queijos que alguns consideram indispensável. Deixo isso para outro artigo desta série. Prezado aluno, espero ter sido útil. Bom proveito, feliz quarentena!