Tendo em vista nossa próxima visita a Bordeaux em outubro de 2018, para colocar as notícias e degustações em dia, valho-me novamente do Guia de Vinhos da França de Michel Mastrojanni no sentido de rever aspectos da região relativos a territórios menos conhecidos e muito menos visitados. Noto que meu guia não está atualizado na nomenclatura de certas denominações de origem.
Antes de prosseguir, um comentário: se no francês coloquial a palavra côte pode significar tanto costela quanto litoral ou costa, dependendo do assunto, no mundo do vinho ela deve ser entendida como encosta com vinhedo. É usada no singular em “Côte Rôtie” ou “Côte Chalonnaise” ou no plural em “Côtes du Rhône” (encostas do Rio Ródano) ou “Côtes du Ventoux” (encostas do Monte Ventoux). Já as colinas com vinhedos são ditas “Coteaux” como se percebe em “Coteaux Champenois” (colinas da Champagne) ou em “Coteaux du Layon” (colinas do Vale do Rio Layon).
Pois bem, em Bordeaux tem-se somente “Côtes”, não se utilizando nem o singular nem a palavra coteaux, apesar de existirem colinas por lá.
Relativamente conhecidas são as Côtes de Bourg, com tintos de Merlot, Cabernet Franc, Cabernet Sauvignon e Malbec nos terrenos ondulados da margem oposta do Rio Gironde em relação ao Médoc. Vinhos de um rubi profundo, frutados e temperamentais, que se amoldam ternamente com o tempo. Entre os produtores, os châteaux Fougas, Rousset, Laroche-Joubert, La Tour Séguy, Roc de Cambes.
As Côtes de Blaye, de longe a área mais extensa, ficam ao norte de Bourg. Com as mesmas uvas de sua vizinha, as Côtes de Blaye, dão lugar a tintos frutados prontos para beber três ou quatro anos após a safra, de ótima relação qualidade-preço. Entre os inúmeros châteaux de Blaye: Glorit, Trousse, Barbé, Segonzac, Bourdieu, Haut-Bertinerie, Gigault.
Côtes de Castillon são uma expansão para leste dos vinhedos de Saint-Émilion, seu vizinho próximo, originando tintos aveludados da Merlot, aromas de ameixa seca, caça e sous bois, com uma rusticidade inicial que o tempo se encarrega de afinar. Entre os produtores os châteaux Brandeau, Jouanin, Moulin Rouge e La Brande e o Domaine Roches Blanches.
Na margem norte do Rio Garonne, as Côtes de Cadillac lembram no nome do controvertido político e desbravador Antoine de la Mothe Cadillac, governador da Louisiana, expert em vinhos, que emprestaria seu nome tempos depois a uma renomada marca de automóvel. Vem dali tintos longevos estilo bordalês, lembrando vegetal e frutas negras com taninos marcantes como os do Château de Fontenille.
Pertinho de Saint-Émilion, as Côtes de Francs têm o mesmo solo rico em argila e calcária, mas a menor pluviosidade da região levando Merlot e Cabernet Sauvignon, secundados por Cabernet Franc, Malbec e Petit Verdot, a originar tintos frutados saborosos como os dos châteaux Luxeuil e Puygueraud.
As Côtes Saint-Macaire, ao sul, em Entre Deux Mers, dão lugar a vinhos brancos secos e brancos doces botritizados de Sauvignon Blanc, Sémillon e Muscadelle, das encostas argilosas com cascalhos que cercam a cidade de Saint-Macaire, incluindo as vinícolas Cave de Saint Pierre, Château de Bidalet e Domaine du Ballat. Verdadeiros Sauternes por um terço do preço.
Em tempo, o guia de vinhos acima citado ainda não registra, mas a nomenclatura mudou em 2009 e as Côtes passaram a ser denominadas pelo nome local precedido ou seguido da expressão Côtes de Bordeaux, por exemplo, Blaye Côtes de Bordeaux, Cadillac Côtes de Bordeaux, Franc Côtes de Bordeaux, ou Côtes de Bordeaux Saint Macaire.
Assim, o Chateau Puygueraud 2006 era um Bordeaux Côtes de Francs, enquanto que o 2014 é um Francs Côtes de Bordeaux. Mais do mesmo… mas é bom saber.