Equipe ABS-Rio

Dia 9 de novembro de 2016. Numa noite aguardada desde o início do semestre, nosso grupo de degustação organizou uma vertical de dez safras de um vinho chileno, um dos primeiros rótulos reconhecidos como ícones do Chile: Don Melchor.

Uma experiência tão marcante, que resolvemos compartilhar não só os momentos da degustação, mas também toda a preparação que, podemos dizer, é parte do prazer.

Mas o que torna este tipo de experiência tão especial?

Para aguçar a curiosidade:

Viagem no tempo – Don Melchor 1997, 1998, 2000 a 2007

O nome do vinho é uma homenagem ao fundador da Concha y Toro, o empresário e político chileno Don Melchor, que plantou cepas francesas da região de Bordeaux, no Vale do Maipo, e, no ano de 1883, inaugurou aquela que viria a ser a segunda maior vinícola do mundo, ficando somente atrás da norte-americana E. & J. Gallo Winery.

Antes de realizar a mistura final, os vinhos são mantidos por algumas semanas em barris ou tanques, de forma a manter separada cada parcela, e assim poder ser degustado para fazer a mistura correspondente.

Uma nova safra de Don Melchor nasce quando se define qual proporção dos distintos Cabernet Sauvignon, originários das diversas parcelas do vinhedo, formará a mistura final. Uma vez misturado, o vinho entra em barris de carvalho francês dos bosques de Allier, Tronçais e Nevers. Cerca de dois terços dos barris são novos e o restante já foi utilizado previamente.

Quatro vezes durante o armazenamento, o vinho é transferido de modo a favorecer a evolução e separar as borras que se originaram durante este período. Depois de 15 meses nos barris, o vinho é engarrafado e continua seu armazenamento por mais um ano, desenvolvendo assim a complexidade e elegância que se espera do Don Melchor.

O VINHO – A cada safra (a primeira foi em 1987), a composição do Don Melchor muda um pouco (CS de 94% a 100%, o restante Cabernet Franc). A Cabernet Sauvignon, é cultivada em 144 hectares de vinhedos em Puente Alto, no Vale do Maipo, a 650 metros de altitude. “Este é um dos 25 melhores terroirs para Cabernet Sauvignon do mundo”, revela Alejandra Valejo. As parreiras têm em média 20 anos de idade. A quantidade de Cabernet Franc no corte é decisão tomada criteriosamente pelo enólogo responsável pelo vinho, Enrique Tirado.

Cabernet Sauvignon de Puente Alto

Terroir privilegiado para a produção da Cabernet Sauvignon, o Chile foi reconhecido pelas excelentes condições de clima e solo. Um dos segredos do Don Melchor está na composição do solo, que compreende material trazido dos Andes pelo Rio Maipo. O solo é pobre em nutrientes, mas diversificado na sua estrutura. Diversas pedras tornam o Don Melchor um vinho de caráter único, conforme demonstrado ao longo dos anos.

Outro importante fator de seu extraordinário terroir é a influência das montanhas dos Andes, na forma de ventos frios e uma grande oscilação entre as temperaturas do dia e da noite. Essas condições encorajam os taninos a amadurecerem lentamente, conservando o equilíbrio da acidez, as características de fruta fresca e a alta concentração de cor e aromas nas uvas.

Como degustar dez vinhos sem perder o foco? 

Éramos oito felizardos à mesa.  Todas as garrafas foram deixadas durante duas horas na posição vertical, e abertas cuidadosamente com as finas lâminas do tourne bouchon, para evitar acidentes comuns nessas ocasiões. Após provados, cada um deles foi colocado num decanter durante uma hora e, para aguçar as papilas, começamos pelo Champagne 2002 Belle Epoque Brut, Perriet-Jouet.

Optamos por fazer as avaliações em etapas, e as taças servidas ao mesmo tempo:

  1. Safras 1997, 2000, 2002, 2004 e 2006. Respectivas anotações, fizemos um pequeno intervalo para servir pequenos pratos, e um vinho branco para, novamente, “limpar os taninos acumulados”. No nosso caso foi bem mais do que isso, pois o vinho oferecido foi o Montrachet Grand Cru 2001 do Louis Latour. Para beber ajoelhado!
  1. Safras 1998, 2001, 2003, 2005 e 2007. Respectivas anotações, passamos à escolha dos melhores da noite, mediante comparação entre os mais pontuados de cada etapa. Tarefa complicada, pois todos os vinhos se revelaram excepcionais (acima de 92/100).  As safras 1998 e 2005 foram as mais pontuadas (96+).

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Para quem quiser repetir a experiência, devemos dizer que o encontro teve a duração de mais de quatro horas, verdadeira prova de amor ao vinho e paixão pela vida, que foi revelado por um dos convidados no texto a seguir:

Provar uma vertical do vinho chileno Don Melchor foi como voltar a viajar pelo vale do alto Rio Maipo, nas vizinhanças de Santiago do Chile. À medida que se avança pelas estradas empoeiradas, a paisagem se torna mais deslumbrante. Sempre austera, suas vertentes elevadas e íngremes, onde a vegetação não é a personagem principal. O verde aparece mais frequentemente na cor das rochas já decompostas pelo tempo. E tantas outras cores se confundem no horizonte, refletindo uma enorme variedade mineral, remanescentes de antigas eras, de enormes convulsões que fizeram subir, descer, retorcer, esticar, erodir, explodir o que hoje conhecemos como os Andes. Ali, a vida luta a cada dia para continuar, em condições quase limite. Assim também tem de ser com as vinhas que só podem contar com pouca água e solos rasos sobre rocha dura, e é daí mesmo de onde tem de tirar os meios para produzir uvas muito especiais.

A cada taça servida com um vinho de safras entre 1997 e 2007, algumas das melhores já produzidas na vinícola, o cenário voltava à mente. A profundidade do vinho, seu perfil marcadamente mineral, nuances aromáticas que reproduziam a paleta de cores, certa austeridade, amenizada pelo toque sempre vivo de frutas muito saborosas, faziam companhia a marcas do passado sob a forma de aromas de evolução. Era como se aquilo que os olhos tinham visto há muitos anos estivesse voltando à mente sob a forma de outras impressões sensoriais, agora na boca e no nariz. Uma verdadeira viagem de emoções e sensações, onde o prazer pede passagem para a técnica e deixa a vida seguir alegremente.