Fernando Werneck Miranda
Ex-presidente e professor da ABS-Rio, consultor e escritor na área de vinhos

Quando lemos as notas de degustação descritas por conhecedores, muitas vezes vem a dúvida: aromas de flores, frutas, vegetais, de onde vem eles? Espero com este artigo responder a essa questão e provocar ainda mais curiosidade aos leitores. Não desista! A título de resumo, podemos dizer que a bioquímica da fermentação alcoólica é extremamente complexa, pois nela são formadas centenas de substâncias na reação química principal, formadoras dos álcoois, gás carbônico e calor, além de um grande número de compostos. São chamadas de reações químicas secundárias, terciárias, quaternárias, etc, aquelas que produzem outros compostos químicos complementares.

O vinho é uma bebida elaborada para o deleite dos sentidos, sendo que o aroma é um dos melhores prazeres proporcionados por ele. Não é por outro motivo que a maior parte do tempo que despendemos na degustação de um bom produto, é exatamente dedicado à avaliação olfativa.

E quanto aos aromas, são naturais ou adicionados? A resposta é simples, eles são naturais.

No passado, alguns maus produtores adicionavam substâncias aromáticas aos vinhos com a finalidade de melhorá-los, mas conhecedores mais experientes identificavam logo estas falsificações.

Os aromas que nos são transmitidos pelos vinhos resultam da fermentação das uvas e são devidos às substâncias voláteis que evaporam da superfície do produto no copo. Dentre os subprodutos diretos da natureza, os vinhos são os que apresentam a maior concentração das diversas substâncias químicas encontradas no reino vegetal.

No vinho existem diferentes famílias de substâncias olfativas, como os ácidos graxos, álcoois, aldeídos, cetonas, ésteres, terpenos e outros compostos em menor quantidade. Os álcoois e os ésteres são os dois compostos aromáticos majoritários.

Calculam os pesquisadores que o vinho possua entre 100 a 300 componentes aromáticos diferentes, e muito deles são de natureza química ainda parcialmente desconhecida.

Tipos de aromas

Aromas primários ou varietais

São aqueles que vêm da uva e são geralmente muito característicos. A maioria das uvas não tem aromas próprios, sendo que a característica aromática própria da uva só aparece depois do mosto ser fermentado. No entanto, algumas uvas guardam seus aromas característicos como, por exemplo, a Moscatel e a Cabernet Sauvignon. Dezenas de variáveis contribuem para formação do aroma primário ou varietal, como o tipo de solo, o clima, a variedade da uva, o método de plantio e o grau de maturação, apenas para citar os mais importantes. Estes aromas permitem aos conhecedores saber qual a uva elabora o vinho em questão.

Os precursores dos aromas

Certas substâncias aromáticas contidas nas uvas funcionam como se fossem “sementes” para formação dos futuros aromas dos vinhos. O grupamento químico dos aminoácidos é de fundamental importância, pois eles atuam como precursores de aromas, bem como de substâncias que conferem sabores. Tomemos como exemplo a cisteína, um aminoácido sulfonado capaz de produzir várias substâncias aromáticas, como pirazina, metil-tiazoles e acetil-tiazolidina, que produzem odores como pimentão, pipoca, nozes, defumados e outros.

Substâncias olfativas dos vinhos

Muitos pesquisadores são de opinião que os compostos mono-terpenos exercem forte influência nos aromas dos vinhos e são formados através da biosíntese das plantas. As pesquisas demonstraram que existem nos vinhos algo como 50 tipos diferentes de mono-terpenos. Citamos, por exemplo, as uvas Moscatel e Riesling, em que os diferentes terpenos (como alfa-terpineol, citronelol, geraniol, linalol, nerol, etc.) estão presentes. Os terpenos mencionados anteriormente são os que se encontram em maior concentração nos vinhos em geral e que não sofrem quaisquer alterações químicas durante a fermentação alcoogênica dos mostos. São estes aromas que dão a identidade da uva ao vinho: os chamados aromas primários.

Aromas secundários ou de fermentação

São aqueles formados na fermentação alcoólica. O fator determinante é o tipo da levedura, pois diferentes tipos delas produzem aromas diversos. Se repartirmos uma quantidade de um lote de uvas dentre dez pequenos tanques de fermentação e inocularmos um tipo diferente de levedura em cada um deles, teremos dez tipos de vinhos diferentes, um pouco parecidos entre si. As diferenças decorrem das diversas leveduras utilizadas e as semelhanças são advindas do trinômio uva-solo-microclima.
Estes são alguns tipos de aromas mais comuns nos vinhos e as substâncias químicas a que eles estão ligados: Alcaçuz (glicirizina), abacaxi (octanato de etilo), amêndoa (aldeído benzóico), banana (acetato de isoamila), cereja (benzaldeído cianídrico), feno fresco (cumarinas), laranja (antranilato de metila, citrol, terpeniol, linalol), maçã (propionato de etila), manteiga (diacetil, lactato de etilo), morango (aldeídos hexa decílicos), nozes (acetaldeído), pêras (octanato de etilo), pimentão verde (3 metox isobutil pirazina), rosa (beta-ionone, beta-damascenona, acetato fenileltílico, nerol, citronelol), etc.

Influência aromática da fermentação malolática

Pela ação das bactérias láticas, a transformação do ácido málico em ácido lático acontece também a formação dos diferentes lactatos, que produzirão aromas de manteiga e nozes como principais. Eles ficam mais evidentes nos vinhos brancos, como podemos citar primordialmente os da uva Chardonnay, de bons terroirs, que fazem a fermentação alcoólica e malolática dentro das barricas de carvalho.

Aromas terciários ou de evolução (bouquet)

São aqueles formados pelos processos posteriores às fermentações alcoólica e malolática. Os tintos elaborados para serem vinhos de guarda devem ser produzidos por uvas estruturadas (Cabernet Sauvignon, Syrah, Malbec, Carmenère, Touriga Nacional e outras), com prolongado tempo de contato entre cascas e mosto na fermentação. Adquirem assim taninos em grandes quantidades e normalmente com percentual alcoólico médio alto. Os taninos e o álcool formam a estrutura dos tintos. Os taninos dos vinhos encorpados jovens são muito adstringentes e amargos e, portanto, difíceis de serem apreciados.

Influência das barricas de carvalho

As barricas de carvalho, ao serem construídas, recebem uma queima a fogo em toda sua superfície interna. Isto visa impedir que o vinho tenha contato direto com a madeira crua. De outro modo, haveria inclusão de excesso de aromas próprios do carvalho, ao vinho. Essa tostadura possui graus diferentes (leve, média, média alta e forte), dos quais dependem os diferentes compostos na superfície tostada que transmitirão aos vinhos aromas como caramelo, café, chocolate, baunilha, cravo, canela, defumado, noz do coco, madeira carvalho, etc. São aromas que enriquecerão a complexidade aromática do vinho.
A barrica permite também uma pequeníssima passagem de oxigênio através de seus poros, de modo que acontece a oxidação parcial de alguns compostos aromáticos, e consequente aparecimento de pequena quantidade de aldeídos.
Naqueles vinhos especiais que fazem um prolongado estacionamento em barricas de madeira (como os Vinhos do Porto, Jerez, Marsala e outros), forma-se o acetaldeído, com seu característico aroma de nozes tostadas.

Influência da garrafa

Quando os vinhos são engarrafados (tendo ou não passado em barricas), depois de algumas semanas inicia-se a formação do aroma terciário, proveniente de substâncias formadas na ausência do oxigênio. As lentas reações químicas entre substâncias vindas das uvas com outras adquiridas nas fermentações formarão o chamado bouquet, aumentando ainda mais a complexidade aromática do vinho. Sob o ponto de vista gustativo, o estacionamento dos vinhos em garrafas dá continuidade ao afinamento dos taninos pela sua condensação.
Termino com um convite: os aromas dos vinhos são uma grande fonte de prazer aos apreciadores. Para melhor reconhecê-los, comece a treinar o seu olfato!